domingo, 7 de setembro de 2014

A FALÁCIA DA EQUIVALÊNCIA

Ao contrário do que muitos pensam, falácia não é sinônimo de mentira. Falácia é uma espécie de truque argumentativo que tem por objetivo obscurecer as conclusões e as tentativas de aproximação da verdade, ou da realidade factível, acerca do tema que está em debate. São muitos os truques que configuram diferentes falácias. Muitos filósofos, como Schopenhauer, já deram sua contribuição para desmascarar esses truques que dominam a maioria absoluta dos debates, sobretudo quando o assunto é política. Porém, não sei dizer se algum destes filósofos, estudiosos da dialética erística, tratou desta falácia específica, esta que gostaria de chamar de “falácia da equivalência”.

Não é um conceito difícil, a falácia da equivalência é quando uma das partes debatedoras apela para uma falsa equivalência de proporção entre coisas que são totalmente desproporcionais. Os exemplos sobre isso abundam tanto que fica até difícil escolher alguns. Tipo: você já deve ter ouvido alguém falar que quem fura fila, estaciona o carro em local proibido, ou avança o sinal vermelho, não pode reclamar da corrupção dos políticos. Evidentemente que furar fila, avançar o sinal vermelho ou estacionar em local proibido são coisas reprováveis, mas, elevar tais coisas ao mesmo patamar de crimes de corrupção é outra coisa completamente diferente. Vejamos um exemplo do mundo da política. - Recentemente, eu estava discutindo com uma amiga, que, por sinal, tem ideias muito convergentes com as minhas, mas gosta de arranca rabo como só... A certa altura, eu falei sobre um caso em que trogloditas chavistas agrediram uma deputada venezuelana em pleno parlamento, onde um miliciano de mais de 100 quilos deferiu-lhe um soco que quebrou o nariz da pobre mulher. Esta deputada hoje é perseguida na Venezuela, onde teve seu mandato cassado pelos chavistas que a agrediram e vive sob ameaça de ir para a cadeia, onde se juntaria a centenas de presos políticos. Essa minha amiga (que não vai ler este texto mesmo, por isso virou exemplo) respondeu que a deputada venezuelana “também não era santa”. Posso concordar plenamente que a tal deputada não é nenhuma santa, mas, levantar essa alegação para fazer frente a algo tão grave como a agressão que ela sofreu por parte de um grupo de assassinos que, entre outras coisas, fraudou uma eleição presidencial, matou mais de 40 estudantes indefesos, feriu e prendeu centenas, configura a falácia da equivalência. A não ser que essa minha amiga demonstrasse que a deputada agredida também fez coisas equivalentes, a comparação aí não é cabível. Outro caso: quando um certo partido, aliado dos trogloditas da Venezuela, faz sucessivos saques aos cofres públicos a fim de se perpetuar no poder, centralizando-o cada vez mais (seguindo a mesma cartilha venezuelana), logo surge uma tropinha de militantes, alimentada por veículos chapa-branca, que procura diluir as falcatruas do partido que defendem em toda a classe política com aquela conversa: “ahhh, mas todos os partidos roubam, não foi o meu partido que inventou a corrupção, veja as outras denuncias sobre outros partidos”. - O cidadão quer colocar no mesmo patamar crimes com evidências fartíssimas, muitos já julgados e condenados, e denuncias que, em sua maioria, não foram julgadas e nem foram demonstradas as relações criminosas que o cidadão tenta estabelecer, ou, mesmo que tenham sido, não são equivalentes aos crimes cometidos pelo primeiro grupo. Veja o “mensalão tucano”. O crime alegadamente (e provavelmente) cometido pelo Azeredo é o de caixa 2 para a campanha. - Ok, é um crime de corrupção e merece ser julgado como tal, mas, não é equivalente ao mensalão. O mensalão se configurou pela compra de apoio político de parlamentares com verba oriunda de corrupção, é mais grave, pois, além de desviar verba pública, atenta diretamente contra a democracia. Chamar o caso mineiro de “mensalão” é flagrante tentativa de estabelecer a falácia da equivalência. 

Há ainda mais uma última estorinha, ocorrida comigo, que vale a pena usar como exemplo. Há alguns anos, tive uma aula em que a professora falava de crimes ambientais. Depois de discorrer sobre uma série de crimes contra o meio-ambiente, alguns de larga escala e grande impacto, ela acabou concluindo que todos nós, seres humanos pós-neolítico, somos culpados pela degradação ambiental. Eu, porém, observei: “uns mais outros menos, não é, professora!?”. Ela logo respondeu que não, que todos somos igualmente culpados, e que eu, por exemplo, usava um tênis que fora feito à custa da degradação ambiental e humana (ela logo supôs que meu calçado havia sido fabricado por crianças escravizadas na China). Ela, logicamente, recebeu o apoio da maioria dos meus colegas de sala. Eu, porém, resolvi então propor algo: disse-lhes que deveríamos ajudar os industriais poluentes a pagar suas respectivas multas por danos ambientais, pois, pelo princípio que eles defendiam (o da equivalência de responsabilidade), isso seria nada mais do que o justo. É claro, fui hostilizado devido ao grau de polêmica que minha resposta gerou, mas, não pude resistir, também sou de carne e osso.

Enfim, não é sempre que as comparações são desproporcionais e, nestes casos, não ocorre a falácia da equivalência. Há, com toda a certeza, casos em que as falcatruas da oposição são equivalentes às da situação, como há casos em que os impactos ambientais de diferentes causadores são sim equivalentes. Contudo, é importante tomar cuidado para não escorregar, intencionalmente ou não, na falácia da equivalência. Como bem diz uma outra amiga: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.”